Errar é Preciso
A Fuerza ocasionalmente convida especialistas de diversas áreas para discorrer sobre o impacto da tecnologia nos seus campos de atuação. São pessoas que admiramos e acompanhamos. Por isso, é um grande prazer receber o convidado de hoje para compartilhar um pouco da sua perspectiva conosco. Rafael Senra, este autêntico homem da renascença fala sobre uma experiência real que dá uma chave importante para mudar as coisas.
Diga: por que uma obra pronta, emoldurada e fixada tem mais valor que a peça esquecida em um ateliê, ainda sujeita aos erros e desvios de caminhada?
Taí uma reflexão que serve pra tudo. Serve pra arte, serve pra vida.
Ou traduzindo, já parou para pensar sobre o valor do erro em nossas vidas?
De acordo com o filósofo Jorge Larossa errar é experimentar, e experimentar traz… experiência. Vamos a um exemplo prático e real de onde uma cadeia de “erros” pode nos levar a um grande acerto. Dizem que um profissional leva sete anos para dominar sua área. Professores não são diferentes, é nesse meio tempo que eles vão descobrir como mesclar sua técnica e seu estilo pessoal para dar a melhor aula dentro de suas possibilidades, como lidar com a burocracia institucional, fazer projetos relevantes, etc, etc, etc.
Um dos principais problemas das universidades é a lógica produtivista de seus projetos, uma espécie de “fordismo” acadêmico, que exige dos profissionais a uma produção em massa de pesquisas, visando acima de tudo a quantidade. Não é um prejuízo pequeno. Para ter uma ideia, se pesquisadores de outros tempos, como Albert Einstein, atuassem em um cenário como o nosso, teriam que sacrificar seus projetos visionários para produzir resultados imediatos e nosso mundo seria completamente diferente. E pior.
Durante muito tempo, na lógica produtivista das universidades, os projetos de extensão agregaram um benefício quase nulo para os currículos dos professores. Foi só com a definição da curricularização da extensão pelo CNE/MEC (através da Resolução n.07/2018) é que percebeu-se uma incorporação mais profunda dos projetos de extensão nas instituições de ensino. Antes, salvo algumas exceções, projetos assim eram vistos por muitos docentes apenas como algo que ajudava a completar as horas de atividades semestrais no sistema. É curioso que, em todo o mundo, se existe uma relativa facilidade dos governos em convencer a sociedade da pouca importância das universidades, isso se deve sobretudo à incapacidade de comunicação das instituições de ensino e pesquisa do magistério superior. Indo no hospital ou no supermercado, nós convivemos a todo momento com uma série de ações e de resultados vindos das universidades; contudo, no geral nós ignoramos a origem de boa parte da tecnologia e conhecimento que nascem da pesquisa e chegam até o produto final, alteram a balança comercial e transformam países em potências. Bom, se você está lendo isso na Internet nessa exato momento, agradeça em parte às universidades, por exemplo.
O que me leva ao projeto Cabaluarte.
Etapa 1 – tentando o site
O Cabaluarte tinha que ser um projeto aberto desde o começo, onde os próprios alunos produziriam conteúdo da maneira que achassem melhor. Seja através de site, podcast, música etc. Santa ingenuidade, Robin.
O que acabou acontecendo é que os meses foram passando e pouquíssimos alunos manifestaram interesse.
Tentando salvar o projeto, comprei um domínio na internet e criei um site básico, na esperança de que os próprios alunos customizassem o site. Isso acabou se tornando um elefante branco, uma vez que os alunos não se mobilizavam sequer a visitar o site, nem mesmo para ver o que precisava melhorar ali. Eles já sabiam intuitivamente o que descobri na prática: sites, hoje em dia, não circulam tanto quanto redes sociais. O Instagram é mais eficiente para a divulgação de um projeto qualquer do que um site.
Etapa 2 – tentando o podcast
Nesse meio tempo, conheci um aluno do curso de jornalismo e o convidei para o projeto, pois ele já produzia por conta própria um podcast sobre divulgação de bandas locais. Ele aceitou, seu nome foi incluído no projeto, e pouco tempo depois ele foi aprovado em um concurso para trabalhar no Estado. O podcast minguou. Ao mesmo tempo, os outros alunos convidados não apresentavam nenhuma ideia ou iniciativa que pudesse dar vida ao projeto. O que parecia uma ótima iniciativa na teoria não encontrava nenhum respaldo na prática.
Etapa 3 – tentando o Youtube
Não era o caso para pânico, afinal, o projeto estava inerte, mas as coisas às vezes são assim mesmo, não é? O erro pode ser um método, pode ser experimentação, pensei. Só que, fazendo um balanço daqueles primeiros meses, eu logo constatei que, na prática, nada tinha sido feito. Já ficando um pouco preocupado, fui eu mesmo realizando ações, pensando em inspirar os alunos, a apatia é uma força irremovível.
Montei um canal no Youtube, novo problema, o plano de internet que adquiri tinha um reduzido limite de franquia, tornando inviável manter o canal. Paralelo a isso, me confrontava com alunos que não sabiam usar processadores de texto como o Microsoft Word, ou não sabiam fazer pesquisa no Google, ou editar vídeos, por exemplo. São problemas que não apresentavam uma feição tão grave como quando trabalhei na Região Sudeste. Uma pista vital estava aí.
Etapa 4 – das cinzas…
A solução veio quando resolvi ministrar uma oficina de edição de áudio e vídeo. Fui realizando tudo sem muita esperança de funcionar, uma vez que se tratava de uma atividade não-obrigatória, feita em um campus cujo acesso é bem complicado, contudo, ao abrir o e-mail havia repentinamente mais de cinquenta pessoas querendo se inscrever, de todas as idades e profissões. Vieram também técnicos que trabalhavam na Unifap e que precisavam aprender sobre edição de vídeo mas não sabiam por onde começar. E também adolescentes que fazem parte de um coletivo artístico da cidade de Santana, que atuam compondo e gravando temas de rap e hip-hop com uma impressionante qualidade. Uau.
O roteiro da oficina foi algo elaborado a partir do retorno que os próprios alunos me davam. Certo dia um aluno confessou: “professor, eu quero participar de sua oficina, mas não sei nem mesmo como tirar o vídeo que filmei do celular”. Esse tipo de dúvida bem básica foi incorporada, como passar um vídeo para notebook, primeiros passo para edição de áudio, tudo muito básico.
Mas a resposta foi impressionante.
A oficina, que pode parecer básica (e era) acabou sendo revolucionária para muitos dos participantes. Foi por causa dela que vários alunos começaram a editar seus próprios vídeos para trabalhos de disciplinas da graduação e em uma das turmas, a experiência lhes pareceu satisfatória o suficiente para que decidissem montar seu próprio canal no Youtube. Aquilo parece ter destampado uma garrafa, virado uma chave.
O problema central da minha ideia estava em um ponto que estava deixando passar: como os alunos podem se expressar e tomar conta de um projeto se falta a eles o conhecimento mais básico e elementar dos softwares que transformam essas ideias em realidade? Um problema bastante comum no Amapá e na Região Norte em geral. A partir disso, o Cabaluarte assumiu sua configuração final: um sistema que ensina pesquisa e comunicação a partir do zero, desde como pesquisar no Google, até primeiros passos em qualquer plataforma.
A conclusão? Duas.
A primeira, é que se houvesse desistido de primeira, o projeto não chegaria à sua forma definitiva e útil. Não existem erros, o que existe é aprendizado tentando, que não chegaria de outra forma.
A segunda, é que para mudar qualquer coisa, temos que começar do passo mais básico possível. Dar as ferramentas para a mudança começar a acontecer. Esse sim é o verdadeiro primeiro passo. Nem tudo que é óbvio é tão óbvio quanto parece.
Todas as imagens que acompanham este artigo foram geradas por meio de AI utilizando a plataforma Canva.